Dentadinhas

sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Enquanto o auxiliar de perícia retira o cérebro da vítima, o médico legista observa e, com uma prancheta na mão, faz anotações.
– Doutor, há quanto tempo o senhor trabalha aqui?
– Sete anos.
Nem precisou ser questionado para disparar, sem desviar os olhos do cadáver que periciava:
– Se eu penso em largar isso? Todos os dias.
O tom foi de brincadeira, mas dá uma idéia do desconforto causado por lidar com a morte.
Pelo necrotério do DML (Departamento Médico Legal) passam obrigatoriamente os corpos de todos aqueles que sofreram morte violenta (homicídios, suicídios e acidentes). Na unidade de Porto Alegre, que atende a toda a Região Metropolitana da Capital, a média é de 13 a 15 necropsias por dia. Trabalham cinco equipes, formadas por médicos legistas e auxiliares de perícia, que se revezam em plantões de 24 horas.


Esse é o abre da matéria que escrevi, lá se vai um ano e meio, para a Sextante (revista que a gente faz no último semestre de jornalismo na Fabico). Apesar de nunca ter sido publicado, foi, na minha opinião, o melhor lead que concebi em toda a minha vida.
Resolvi dividi-lo com vocês, neste blog, porque perdi a esperança de ver aquela Sextante impressa. E, porque, por mais que eu me esforce em cada texto que faço na ZH, tenho um carinho especialíssimo por esse lead. Também por ter sido resultado de uma daquelas apurações que marcam qualquer jornalista.